Saulo Nogueira
Especialista em Comércio Internacional e Relações Governamentais | Líder de Relações Internacionais
O tema de acesso a mercados estrangeiros, e a remoção de barreiras comerciais, é um dos mais pertinentes para as exportações agrícolas brasileiras. São dois tipos de ‘abertura de mercados estrangeiros’: (i) uma questão de requisitos técnicos ou sanitários; e (ii) uma questão comercial, de encontrar parceiros comerciais no país-destino. Dependendo do produto, a primeira questão precisa ser resolvida antes que a segunda seja trabalhada. Quando não há uma barreira comercial impeditiva para o produto, trata-se de uma tarefa comercial, de achar e estabelecer canais de importação, distribuição e venda no novo mercado. Por outro lado, a presença de uma barreira requer um esforço considerável do setor privado e governo brasileiros.
À primeira vista, o processo de negociar ou remover uma barreira comercial pode parecer relativamente simples, onde o governo brasileiro executa todo o processo. Primeiro a solicitação é elaborada (seja por iniciativa própria ou do setor privado), as informações solicitadas pelo governo estrangeiro são elaboradas, negocia-se os requisitos técnicos, sanitários ou fitossanitários, os termos finais da autorização são definidos e pronto, o mercado está aberto para as exportações brasileiras! Apesar de o governo executar essas atividades, sobram tarefas e responsabilidades para o setor exportador, pois o processo é influenciado por questões econômicas, institucionais, jurídicas e políticas.
Este último baseia-se em diferentes aspectos, mas principalmente ao fato de que a abertura de um mercado implica na maior concorrência de produtos, o que pode prejudicar os fabricantes/fornecedores nacionais. Os produtores no país-destino provavelmente terão medo de as importações causarem prejuízos: perda de faturamento, concorrência desleal, desemprego, entre outros. Ao receber empresários e cartas alertando para as ameaças, o governo e os políticos provavelmente irão agir para impedir tal abertura, ou para minimizar o prejuízo aos produtores nacionais. Outras questões podem dificultar, ou impedir, o processo: ressalvas jurídicas, contexto econômico, restrições institucionais (para verificar se as importações cumprem as devidas medidas sanitárias/fitossanitárias). Percebe-se que o processo de remoção da barreira comercial é complexo e depende de diferentes fatores para ter êxito.
Com base na minha análise de diferentes aberturas de mercados realizadas por diversos países, para produtos agrícolas, junto com minha experiência profissional, identifiquei sete atributos do país exportador que facilitam e asseguram o processo de remoção da barreira comercial:
Destaca-se primeiramente que os governos determinam a pontuação dos primeiros três atributos, enquanto que o setor privado influencia e pode determinar os últimos três atributos. O 4° item é invariável, pois não há como alterar a distância geográfica entre os países (no entanto, os custos da logística podem ser reduzidos, assim minimizando o peso deste item). A distância também costuma influenciar o grau da relação diplomática, política ou comercial entre dois países, sendo que quanto mais distante, mais tênue o vínculo. A única característica que é similar em todos os casos é o 3° atributo ‘qualificação e atuação dos Ministérios brasileiros’. Os três principais Ministérios que atuam no comércio e nas relações internacionais são de Relações Exteriores (MRE), de Agricultura (MAPA e da Economia (ME), que são, em termos gerais, bem qualificados e equipados para atuar nessas negociações de acesso a mercados. Todas as outras características do Brasil variam conforme o produto de exportação e o país-destino.
São diversas questões que influenciam o processo visando conseguir a autorização, seja esta referente a uma exigência/barreira tarifária, técnica, sanitária ou fitossanitária. Além disso, tais critérios são aplicados a todos os países exportadores ao mercado-destino, portanto haverá uma concorrência entre os países pleiteando tal autorização. O país-importador costuma oferecer um tratamento preferencial aos países com uma melhor ‘pontuação’ nesses atributos/critérios.
O Brasil tem 7 pontos (de 14 pontos) nessas características, isto é, está na média. Assim, o pleito brasileiro não fica no fim da fila, mas tem certa desvantagem em termos de prioridade quando estiver concorrendo com outros países pleiteando acesso ao mesmo mercado. Cabe destacar que a atuação do setor privado é mais efetiva nos países-importadores onde as atividades de lobbying/relações governamentais são legítimas e reconhecidas, como nos Estados Unidos, União Europeia, entre outros. Assim, recomenda-se as seguintes atividades para o setor exportador brasileiro: (i) apresentar as informações técnicas e de mercado aos quais os servidores dos três Ministérios não têm acesso, especialmente que comprovem que os produtores atendem os requisitos sanitários ou fitossanitários estabelecidos no país-destino; (ii) analisar o setor produtivo no país-destino, seu tamanho e força política, assim como a probabilidade de agirem contra o pleito brasileiro; (iii) acompanhar o pleito, tanto no nosso governo, quanto no governo estrangeiro, e praticar relações governamentais para assegurar a prioridade do pleito e o andamento do processo; e (iv) desenvolver relações com grupos de interesses no exterior, especialmente grupos de consumidores, importadoras, distribuidoras e redes de varejo. Nos casos em que o alimento brasileiro enfrenta alegações pejorativas relacionadas a desmatamento, trabalho escravo ou risco sanitário, seria preciso também realizar uma campanha de relações públicas.
Em resumo, a empreitada de abrir mercados estrangeiros depende de várias características do país-exportador, assim como da atuação do governo e do setor privado brasileiros. As sete características acima determinam o esforço e o tempo necessários para cumprir a objetivo. Destaca-se que o governo brasileiro, especialmente o MAPA, vem desempenhando um trabalho excepcional de abertura de mercados, tendo aberto 100 mercados agrícolas em 2019 e 2020. Além disso, o governo e o agronegócio brasileiros fizeram grandes esforços para manterem suas exportações de alimentos durante a pandemia do Covid-19, o que reforçou a confiabilidade que os importadores têm do Brasil como fornecedor-agrícola. Considerando que metade das caraterísticas são dependentes/determinadas pelo setor privado, é evidente que o setor exportador tem uma responsabilidade nesse empreendimento. Portanto, o setor exportador precisa participar do processo, não somente acompanhando o pleito, mas também trabalhando nas questões que possam estar travando ou restringindo o avanço do pleito. São os exportadores agrícolas que irão lucrar no novo mercado, portanto precisam investir na façanha, não só porque os pagamentos serão em dólares, mas também porque a concorrência não para de crescer na grande maioria dos mercados estrangeiros. Em vez de assistir e torcer da arquibancada, o agronegócio brasileiro precisa fornecer informações estratégicas sobre o jogo e entrar em campo para reforçar o time brasileiro!
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Saulo Nogueira – Acesso Internacional. Abertura de Mercados
Autor: Saulo Pio Lemos Nogueira é especialista em abertura de mercados estrangeiros, tendo trabalhado para o agronegócio e a indústria brasileiras, assim como para governos estrangeiros e entidades internacionais. Sócio da Acesso Internacional e criador do site Barreiras de Acesso.