14 abril 22
Em entrevista exclusiva ao Canal Rural, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, fala sobre o protagonismo do país para a redução das emissões e das vantagens que o cenário oferece ao setor produtivo
Formado em Administração, ex-produtor de café e um dos integrantes mais antigos da Sociedade Rural Brasileira (SRB), o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, foi o convidado do Canal Rural Entrevista desta terça-feira (12).
Antes de assumir o atual cargo, em junho de 2021, substituindo Ricardo Salles, ele também foi diretor do Departamento de Florestas e secretário da Amazônia e Serviços Ambientais. Confira a entrevista na íntegra:
Canal Rural – Uma de suas primeiras falas ao assumir o mandato foi a de que a pasta não se concentraria apenas em reduzir, proibir, culpar, multar, mas empreender, incentivar e inovar para gerar crescimento econômico e empregos verdes. NesSe contexto, como o produtor rural se encaixa?
Joaquim Leite – Tive a oportunidade de ser produtor rural durante dez anos, no interior de São Paulo, na cidade de Garça, então conheço bastante o setor. Temos de encontrar soluções climáticas ambientais lucrativas para o produtor, para as pessoas e para a natureza, como, por exemplo, o Programa Metano Zero, que reduz emissão de metano de resíduos, assim como soluções como o mercado de carbono, o Programa Floresta Mais, que criamos em Glasgow [durante a COP26]. Temos várias soluções e muitas delas passam pelos produtores rurais que fazem um trabalho importantíssimo de, por exemplo, preservar a floresta nativa em suas propriedades. O governo federal tem uma política ambiental que não é apenas a de multar, e sim achar soluções lucrativas para o produtor continuar produzindo comida.
CR – Entre as soluções que o senhor citou, a questão do biometano foi muito discutida na COP26, em Glasgow. Como essa atividade pode remunerar o produtor e também ajudar na redução de gases poluentes?
Joaquim Leite – No ano passado, em Glasgow, o Brasil teve uma participação relevante, sendo o protagonista da ação global para criar o mercado de carbono, e o produtor rural e o setor agropecuário vão se beneficiar disso, com certeza. Mas lá [na COP26] também assinamos o acordo de reduzir o metano que, em um primeiro momento, parecia algo que poderia impedir o crescimento da agropecuária. Em seguida, aqui no Brasil, lançamos um programa para mostrar como o Brasil é parte da solução, que é o Programa Metano Zero. Esse programa consiste em redução de metano de resíduos orgânicos da agricultura, do campo e da cidade. No campo, [envolve a] suinocultura, avicultura, laticínios, açúcar e álcool e, na cidade, os aterros [sanitários]. Esse programa, se for implementado na velocidade em que esperamos, reduzirá em 30% as emissões totais de metano do Brasil.
CR – O senhor esteve em uma propriedade do oeste paranaense e pode conhecer a aplicação desse projeto na prática. Como foi essa experiência?
Joaquim Leite – Este produtor da propriedade do oeste paranaense queria expandir a sua produção agrícola. Ele tinha três granjas e queria passar para cinco. O desafio dele era que ele não poderia gerar mais resíduos e jogar na natureza, então foi instalado um biodigestor na propriedade e ele passou a receber R$ 4 mil por mês para gerar o biogás, que é o gás que vem dos resíduos desse biodigestor, e além disso estava gerando um biofertilizante. Então ao mesmo tempo em que ele recebia o dinheiro, ele reduzia a quantidade de adubo, já que o resíduo que ele jogava na lavoura não era eficiente para a produção. Ele começou a produzir um milho muito melhor, reduzindo de 22 sacas de adubo para oito. Assim, além de produzir comida, ele está protegendo o meio ambiente, evitando emissão de metano na atmosfera, mas, sobretudo, tendo uma solução lucrativa para ele. E isso vai acontecer em larga escala no Brasil. Nosso país aproveita apenas 1,5% dos resíduos orgânicos que gera e se conseguirmos expandir este programa, com certeza vamos reduzir metano e, ao mesmo tempo, produzir comida.
CR – Essa iniciativa está incorporada ao Programa Metano Zero?
Joaquim Leite – O biometano é parte do Programa Metano Zero. Esse produtor que visitei no Paraná está fazendo a geração de biogás para a geração de energia. O biogás tem 59% de pureza e, quando se faz mais uma etapa de purificação, gera-se o biometano. Estive no lançamento do Programa Metano Zero juntamente com o presidente Jair Bolsonaro e ele dirigiu um trator movido a biometano na ocasião. O que esperamos que aconteça é que um produtor rural que trata seus resíduos e purifica o biogás para transformar em biometano possa substituir o seu trator convencional por um trator a biometano. Em alguns casos, para uso próprio, vai reduzir em 60% o custo de combustível daquele veículo. É uma solução interessante porque temos de um lado aquele produtor que tinha a emissão de metano de seu resíduo não tratado e, do outro, a emissão de combustíveis fósseis do diesel utilizado no trator. Ao juntar os dois, se bem feito, se terá uma redução de metano e de resíduo e se terá lucro. O importante é buscar uma solução lucrativa para o produtor.
Por isso que o Programa Metano Zero traz, de um lado, a redução de impostos, já que nós zeramos os impostos federais na compra de equipamentos para a montagem de usinas de biometano e, do outro lado, temos financiamentos específicos com juros verdes, ou seja, mais baratos, e a criação do crédito de metano. O produtor vai poder se cadastrar, preparar projetos, mensurar a emissão de metano e trazer uma receita extra a essa atividade de redução de metano baseado em biodigestores, especialmente avicultura e suinocultura. É um setor bastante importante que tem uma forma descentralizada de atuação, com atuação integrada com as cooperativas e que pode fazer um belo trabalho. Visitei um caso de 17 produtores que tinham 22 quilômetros de um mini-gasoduto interligando biodigestores, jogando biogás nos transformadores e gerando e colocando energia no sistema e, para isso, recebendo [pagamento]. A segunda etapa disso é purificar [o gás] e substituir os tratores e também caminhões na propriedade, ou seja, solução mais barata de combustível para o produtor. No futuro o produtor poderá ser o seu próprio posto de combustível. Já temos tecnologia para isso.
CR – Em relação ao crédito de carbono, de que forma o Brasil pode ganhar com esse tipo de projeto?
Joaquim Leite – Em Glasgow, o governo federal brasileiro foi o grande protagonista para criarmos o mercado de crédito de carbono e fizemos isso para defender os interesses do Brasil nesta negociação de clima. O acordo do clima faz com que todos os países tenham compromisso de redução de emissões e o Brasil tem o compromisso mais ambicioso entre os países em desenvolvimento do G-20. Mostra, assim, que é um protagonista que tem compromissos sérios e o mercado de carbono é uma solução para uma transição para uma economia neutra em emissões. A meta do Brasil é que essa economia seja neutra em emissões até 2050.
O governo federal está criando o projeto mais inovador e moderno do mundo, que é o mercado regulado de emissões nacional. Para isso, a ideia é entregar uma plataforma de registros única que garanta rastreabilidade, não dupla contagem, adicionalidade e integridade ambiental, critérios mínimos para se poder registrar na plataforma do governo federal um crédito de carbono. Junto com o Ministério da Economia, que é quem está coordenando os critérios dessa montagem, temos uma grande vantagem em relação aos outros países: vamos produzir créditos de carbono de várias origens. Uma delas é de floresta nativa, tanto de compensação quanto de recuperação. Dessa forma, o produtor rural vai poder medir aquilo que ele tem de carbono em sua propriedade e, assim, ter algum tipo de benefício em sua propriedade.
Do outro lado, a agricultura fixa carbono no solo durante o seu processo produtivo. Nos próximos anos vamos mensurar as cultivares pela sua capacidade de produzir e pela capacidade de absorver carbono e fixar no solo. Esse é um processo que produz mais e traz mais produtividade. É um modelo em que a agricultura tem a oportunidade de mensurar as toneladas de carbono que está absorvendo nesses processos produtivos e se inserir nesse mercado. O Brasil será o grande exportador de créditos de carbono no mundo. Além de comida, vamos fornecer créditos de carbono, especialmente de floresta nativa.
CR – Como o programa de Pagamento por Serviços Ambientais vai funcionar e se desenvolver nos próximos meses e anos?
Joaquim Leite – Esse programa é uma novidade. O governo Bolsonaro criou esse programa em 2019, quando começamos a desenhá-lo e articular para ter uma política de serviços ambientais. Então, lançamos o programa Floresta Mais, cujo objetivo é reconhecer e remunerar quem cuida de floresta. É tirar o foco da árvore para quem cuida da árvore. Esse é um gigantesco desafio global, não só brasileiro: como trazemos uma solução para volume de floresta preservada no Brasil. Para se ter ideia, o Brasil possui 560 milhões de hectares de floresta preservada, sendo metade privada, do Cadastro Ambiental Rural (CAR), dos produtores rurais, e outra metade de terras públicas. Para reconhecer e remunerar quem cuida desta floresta, o governo federal criou o Floresta Mais, em que o produtor registra sua propriedade – puxando a base do CAR – uma terceira parte valida a existência da floresta, então o setor privado vem dar benefícios para quem cuida. O Banco do Brasil fez um grande trabalho ao ser o primeiro banco a lançar uma CPR de preservação, que vai cobrar um juro mais barato de quem cuida de floresta, ou seja, o financiamento que o produtor rural tiver vai estar atrelado à floresta nativa. O setor privado pode fazer isso de várias formas. Um fornecedor de adubo, de defensivo e até o comprador do produto do produtor pode, por exemplo, olhar dentro do Floresta Mais e ver que o produtor tem um certificado de conservação florestal auditado por terceira parte e reconhecer isso.
O programa Floresta Mais tem um componente exclusivo para o agro, que se chama Floresta Mais Agro, que tem o objetivo de engajar toda a cadeia para reconhecer que é o produtor que cuida da floresta e tem de ser beneficiado e remunerado por esta atividade. Esperamos que outras empresas se juntem ao Banco do Brasil nessa iniciativa que também é atrativa para empresas de outros países que também atuem no Brasil. Desde dezembro, o produtor rural já pode se cadastrar no Floresta Mais e puxar sua base de dados georreferenciada do CAR para que uma terceira parte venha validar a assinatura de um responsável técnico para atestar que ele tem floresta. Toda a cadeia do agro, incluindo engenheiros ambientais e cooperativas, podem validar que aquele determinado produtor preserva floresta. Imagine uma multinacional dizendo em seu relatório de sustentabilidade que além de vender um fertilizante, uma máquina ou adubo no Brasil, ajuda a preservar floresta reconhecendo essa atividade de conservação do produtor.
CR – Como está o processo de aceitação do Brasil na OCDE, uma questão que também depende da atuação ambiental do país?
Joaquim Leite – Participei do encontro de ministros de Meio Ambiente da OCDE e pude levar lá um Brasil real, um Brasil que cuida e protege. Esse comitê de ministros ficou impressionado em quanto é inovador o Pagamento por Serviços Ambientais, pois pouco conheciam e isso é algo que o mundo precisa fazer, formar o fazendeiro de floresta nativa, alguém cuja atividade é cuidar dessas florestas e, de alguma forma, ser remunerado por isso. Percebemos uma mudança no olhar dos líderes globais, especialmente os líderes europeus. As discussões lá eram todas ligadas à energia. O mundo está em uma crise energética e esta reunião foi muito importante para o Brasil mostrar que é parte da solução. Quando você senta com um líder europeu, ele quer discutir como vai se garantir energia de um fornecedor seguro por longo prazo. Por isso, nós apresentamos o potencial de energia eólica off shore no Brasil. Temos um potencial gigantesco, com possibilidade de instalação de 50 a 100 Itaipus no mar brasileiro gerando energia limpa. E essa energia para ser exportada para a Europa pode ser transformada em hidrogênio. Cinquenta Itaipus são 700 gigawatts, um potencial de alta atratividade em nosso litoral, transformando em hidrogênio ou amônia verde para exportar para a Europa.
O Brasil tem um gigantesco potencial de energia que são excedentes ao que usamos em nosso país, podendo ser olhadas por várias empresas que têm de mirar um futuro mais limpo. E esse futuro mais limpo na Europa vai depender um pouco do Brasil. Percebemos uma grande receptividade em fornecermos hidrogênio verde que também pode vir do etanol. É uma grande oportunidade para o setor de ter um combustível limpo que também vai ser exportado. Assim, o etanol vai poder trazer mais um benefício ao produtor. Imagine agregar valor a esse combustível, transformando-o em hidrogênio verde para exportá-lo, chegando mais recurso para o produtor ser melhor remunerado pela atividade que ele exerce.
CR – Existe alguma data prevista para o Brasil ser aceito na OCDE?
Joaquim Leite – Quem está coordenando este processo de entrada do Brasil na OCDE é a Casa Civil e o Ministério da Economia. Existe todo um processo para que tenhamos todos os indicadores alinhados às políticas da OCDE.
Outra política que apresentei por lá foi a da reciclagem. O governo federal, através do Programa Lixão Zero, já fechou 20% dos lixões a céu aberto do país e transformou em aterros sanitários que tratam resíduos. Também apresentei um case de sucesso global, que é o Campo Limpo, em que um país de tamanho continental como o Brasil retorna 94% das embalagens [de defensivos para o fabricante]. Quando você conta isso para um europeu, ele diz que é impossível, mas aqui o produtor tem a responsabilidade de utilizar aquele produto, colocar em seu carro e devolver para o ponto correto. Os europeus não acreditam que temos esse índice de quase 100% de retornáveis porque os 6% que faltam é uma perda no processo. Então quando falamos que o Brasil tem políticas corretas na boa direção de proteção, eles não entendem e desconfiam se é verdade. Os dados estão aí para provar que é verdade.
Na OCDE, também aderimos à redução da poluição de plástico na natureza e o Campo Limpo é um belo exemplo disso. Esse é um trabalho de toda a cadeia. O governo federal quer incentivar esse setor de reciclagem, sabendo que temos de consumir, mas sabendo que também temos de destinar corretamente e o produtor rural faz isso muito bem. Temos um país tão grande e que possui, muitas vezes, uma imagem deturpada em relação à atividade agrícola, mas os dados e fatos provam que o produtor rural faz uma boa atividade de conservação tanto de vegetação nativa quanto de reciclagem com o retorno das embalagens de defensivos.
CR – Diante de tudo o que o senhor abordou, qual mensagem gostaria de deixar ao produtor rural?
Joaquim Leite – Acho que é importante que o produtor rural continue neste caminho: produzindo mais alimentos e de forma mais eficiente, usando cada vez menos recursos naturais, que ele tenha mais produtividade na mesma área – em alguns casos quatro safras na mesma área – um bom manejo, uma boa genética na pecuária também é uma solução para se reduzir emissões durante o processo produtivo e, claro, fazer o que ele já faz, eu fazia e meu avô também fazia: proteger a vegetação nativa em sua propriedade porque isso é muito importante para ele, já que garante água e [as condições do] microclima daquela região. No futuro, o produtor produzirá ainda mais. Existem estudos que dizem que os gases de efeito estufa, o carbono que está na atmosfera, será absorvido pelos cultivares. É impressionante como temos um futuro promissor. O Brasil pode ser o responsável por tirar carbono da atmosfera produzindo mais, fixando mais carbono no solo e produzindo mais alimento.
O Brasil é uma potência agrícola, vai ser uma potência no crédito de carbono e, possivelmente, uma potência em energias renováveis com o hidrogênio verde. Meu recado aos produtores: continuem fazendo um bom trabalho que o governo federal agradece e o Ministério do Meio Ambiente é um parceiro para questões climáticas e ambientais que sejam lucrativas ao produtor e benéficas ao meio ambiente.
Fonte: Canal Rural