Escassez de equipamentos faz com que o fluxo de despacho de cargas não dê conta da demanda de vazão de mercadoria, gerando fila de espera
Com o represamento de navios nos portos da Ásia e Europa no início da pandemia e a desaceleração econômica gerada pela crise em virtude da Covid-19, o preço do frete marítimo apresentou elevação em até cinco vezes no mundo. Houve ainda redução do fluxo de contêineres refrigerados, com demanda maior do que a oferta, travando assim o fluxo de exportações mundialmente. No Ceará, bem como nos demais estados do Nordeste, a preocupação reside no tempo máximo de espera das cargas perecíveis de frutas, que não estão conseguindo ser exportadas na velocidade em que deveriam.
“Somente na manhã da terça-feira, foram 50 clientes pedindo contêineres e a gente não vai ter como atender. Eles não sabem o que fazer com a fruta. É desesperador o que está acontecendo”, comenta o CEO do grupo FTrade Brasil, Bruno Farias, especializado em exportações. Ele detalha ainda que muitos produtores estão tentando armazenar como podem suas cargas, mas que, se não conseguirem exportar, terão de tentar dar vazão no mercado interno, desequilibrando a oferta e fazendo os preços dos produtos se tornarem instáveis.
Bruno comenta que antes conseguia pagar uma média de frete de US$ 2.100 por cada contêiner exportado, mas que no cenário atual o preço mais baixo que conseguiu fechar por carga foi de US$ 8.500. “Os poucos contêineres que ainda restam atracados no Brasil estão sendo segurados para tentar criar um bolsão de seguro para próxima semana, caso contrário vamos ficar totalmente sem equipamento para exportar”, comenta.
O fluxo de exportação no Ceará e demais estados não foi interrompido, mas o cenário é “caótico”, reforça Bruno. “Se antes nós precisávamos exportar 100 contêineres por semana, agora estamos conseguindo dar vazão no máximo a 80, na média de 60. Estamos realmente sem saber o que fazer”, detalha.
Este cenário representa um agravamento de um movimento sazonal e deve se permanecer até julho, antes de apresentar alguma possibilidade de melhora. “Houve uma grande exportação desses equipamentos (contêineres) para Europa e Ásia, no envio de mercadoria para esses continentes. Com a pandemia, o fluxo de retorno desses cargueiros diminuiu”, analisa Augusto Fernandes, diretor fundador da JM Negócios Internacionais, atuante no setor de comércio exterior há 33 anos.
Outro evento adverso que contribuiu para agravamento, ainda que de forma menos intensa, foi o bloqueio, devido encalhe de um cargueiro, por cerca de uma semana do Canal de Suez, no Egito, rota por onde passa cerca de 10% do comércio mundial. O sinistro fez com que ao menos 400 navios cargueiros ficassem travados no Canal, aguardando sua liberação.
Tal incidente reduziu ainda mais a disponibilidade de cargueiros, que já estavam com fluxo reduzido em razão da pandemia. O cenário de bloqueios dos portos associadas aos picos da Covid-19 ao redor do mundo fez com que as empresas transportadoras reduzissem a frota, conforme analisa Augusto. “O que fizeram os armadores: quem tinha 50 navios numa rota, reduziu para 25, para 20. Isso se manteve até agora, e agravou muito o cenário que anualmente no primeiro semestre já é de baixa oferta”, destaca.
Augusto pondera ainda que parte dessa baixa oferta por contêineres está associada a uma estratégia de mercado para elevação dos preços dos fretes. “Isso acontece todo ano, mas também tem um prazo de validade”, frisa. Ele esclarece que muitos países da Ásia e da Europa, em especial a China têm uma necessidade muito grande de exportar e também de receber os produtos importados, que essencialmente são alimentos. “Então, no máximo, em 90 dias, os armadores deverão movimentar esses contêineres, ainda que vazios, porque a pressão do outro lado do mercado também vai crescendo”, explica.
Enquanto o cenário permanece incerto e com escassez de equipamentos para exportação, o medo de perder a carga ou ainda vendê-la a um preço baixo demais cresce entre os produtores. “Temos casos de exportadores que perderam parte do produto, outros exportadores como por exemplo limão e maçã que não estão conseguindo contêineres para exportar. O Ceará, por sorte, como pegou a sazonalidade da baixa de volume de frutas não está sendo tão afetado”, detalha Luiz Roberto Barcelos, sócio da Agrícola Famosa e diretor institucional da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas).
O curto prazo de vida útil dos produtos força o setor a tomar medidas rapidamente para evitar perdas maiores. “São produtos perecíveis, em média conseguimos armazenar até 30 dias, mas quase metade desse tempo tem que ser para o transporte“, acrescenta o diretor da Abrafrutas. Ele detalha que o aumento do tempo de higienização dos contêineres como medida de prevenção à Covid-19 atrasa ainda mais a liberação destes. “Fim de semana passado enviei um contêiner de melão para China e só para ser totalmente higienizado ele levou uma semana. Tudo isso aumenta essa escassez no mercado”, detalha.
Frente à pressão de aumento da demanda, empresas do setor passaram a investir no reparo de contêineres que estavam fora de rota devido avarias, além da produção de novos contêineres. “Isso é um paliativo para atender a demanda que vai ser cada vez maior”, afirma Luiz. Ele destaca ainda que os exportadores não têm muitas opções: “Somente podemos aguardar e torcer para que o processo de liberação desses contêineres seja mais rápido”.
Fonte: O Povo