Variedades desbancaram maçãs da Itália, que têm ao menos duas dezenas das frutas competindo em cada fatia do mercado

Luiza, Venice e Isadora. Esses são os nomes das maçãs que trouxeram reconhecimento à Santa Catarina na Europa. Desenvolvidas pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), e produzidas e comercializadas na Itália sob a marca Sambóa, as três foram premiadas como a “Melhor Maçã do Ano” na edição 2025 da Protagonisti della Ortofrutta Italiana, promovida pela Revista Corriere Ortofrutticolo.
— O tempo que leva para a gente fazer, desde o cruzamento até o lançamento das variedades, geralmente leva em torno de 20, 25 anos. É um processo longo, demorado e envolve o esforço de uma grande equipe de pesquisadores. Por isso, é muito satisfatório para a Epagri ver o sucesso das variedades, inclusive fora do Brasil — comemora Kvitschal.
Marcus é o pesquisador responsável pelo programa de hibridações na Estação Experimental de Caçador, que também interage muito com a de São Joaquim. Além dessas, Santa Catarina tem mais sete estações.
— Depende também de uma equipe multidisciplinar com fitopatologistas, entomologistas, fisiologistas, com profissionais desenvolvendo tecnologia de produção, sistemas de manejo, como podar, como ralhar… — compartilha.
Luiza, Venice e Isadora levaram décadas de pesquisa até chegar onde estão, além de muito investimento em pesquisa, segundo Kvitschal. A premiação na Itália é sinônimo de sucesso e orgulho para Santa Catarina.
— A gente sabe que a Itália é um mercado em que a concorrência por novas maçãs é muito grande. Aqui no Brasil, a gente tem Gala e Fuji. Na Itália, eles tem pelo menos duas dezenas de maçãs competindo em cada fatia do mercado — diz o melhorista.
Processo é 100% natural
Quando o assunto é variedades melhoradas, é comum que as pessoas associem os híbridos a organismos geneticamente modificados, mas na verdade, não é bem assim.
— A gente não faz nenhum processo de modificação genética em laboratório desses cultivares. O que a gente faz aqui é justamente fazer o que a natureza já faz naturalmente com as plantas — esclarece o pesquisador.
O processo se resume, basicamente, a ir a campo e fazer polinizações manuais. Os profissionais polinizam as flores uma por uma e, no verão, as coletam, germinam as sementes e desenvolvem as plantas. É depois dessa etapa que eles dão início a todo o processo de seleção, que avalia desde a juvenilidade da planta a reação à doenças (como a sarna da macieira) e, mais para frente, a qualidade das frutas.

— O que a seleção natural levaria centenas de anos pra fazer, a gente consegue fazer em 20 anos. Para quem acha que a gente faz maçãs transgênicas, não é isso que acontece — completa.
Resumidamente, o que a Epagri faz, então, é um melhoramento genético clássico e natural da macieira.
Outro grande objetivo do programa de melhoramento genético dessa fruta, que acontece há mais de 53 anos, é o desenvolvimento de materiais melhores adaptados a condição de clima mais quente.
— Queira ou não, o Brasil tem um clima tropical. Mesmo aqui no Sul, que é classificado como subtropical, é muito quente para a maçã, que é uma espécie de clima frio. A gente não tem isso na maioria das regiões de produção de maçã do Estado — pontua.
Por isso, as estações catarinenses já têm vários materiais bem adaptados à condição de clima mais quente.
Como Luiza, Venice e Isadora chegaram à Itália?
Há pelo menos 25 anos, a Epagri tem firmado parcerias nacionais e internacionais com intuito de aumentar as chances de expansão comercial de muitas dessas variedades melhoradas. A empresa francesa IFO é uma destas parceiras. Há mais de duas décadas, a companhia privada vem testando diversos genótipos de macieira da Epagri em solo europeu.
— Todo ano, gente recebe a visita de um representante francês dessa companhia. Ele vem, a gente faz uma reunião e a amostra de frutas — explica Kvitschal.
A partir da seleção dos híbridos, a empresa testa as seleções na França, na região de Angers, que fica mais ao Norte do país.
— À medida que essas seleções vão mostrando bom desempenho, eles vão buscando parcerias que tenham o interesse de investimento comercial nas variedades, que foi o que aconteceu com a Luiza, Venice e Isadora — diz.
Em 2019, a Epagri recebeu uma visita de representantes do grupo fruticultor italiano Rivoira. A empresa já havia demonstrado interesse em fazer investimentos maciços nas variedades da macieira, devido às impressões positivas que tiveram das frutas em visitas prévias à IFO, na França.
Menos de um ano após essa visita, o grupo Rivoira adquiriu os direitos de uso exclusivo das três variedades fora do território brasileiro e começou o projeto Brazilian Variety, que envolve o desenvolvimento comercial das variedades brasileiras sob a marca Sambóa. O plano global envolve ações estratégicas, tanto no âmbito produtivo quanto comercial, com amplo investimento para popularização mundial da marca.
— A marca Sambóa prioriza a colheita das frutas maduras na planta, para que o consumidor possa adquirir maçãs super-doces, super-crocantes e super-suculentas ao longo dos 12 meses no ano, que é aquela maçã fresca, uma maçã agradável, que chama a atenção e sempre dá vontade de comer mais uma — explica Kvitschal.

O grupo Rivoira conta com mais de 200 hectares na Itália cultivados com as macieiras da Epagri. A meta é contar com quatro mil hectares de pomares das três variedades, distribuídos nos cinco continentes. Assim, poderá fornecer maçãs Sambóa para consumidores em todo o mundo.
Para além da Gala e Fuji
— Infelizmente, no Brasil, a gente tem um certo problema, que é de natureza comercial mesmo, na cadeia produtiva da maçã. Toda a logística de classificação, armazenagem, transporte e comercialização de maçãs foi baseada e montada no Brasil em cima das várias variedades de Gala e Fuji — pontua o pesquisador.
Por isso, há um problema na comercialização de outras variedades no país, como as premiadas na Itália:
— Como esses materiais híbridos são diferentes da Gala e Fuji, obrigatoriamente seria preciso fazer um investimento para a abertura de um mercado específico para elas. Não adianta querer vender como os tradicionais. E no Brasil, existe uma certa dificuldade, porque o pessoal às vezes fica naquela de “ah, o setor está difícil, está ruim, o retorno está pequeno, a rentabilidade está baixa”, então eles acabam não investindo em novas estratégias.
— A gente tem usado muito exemplo da Sambóa no mundo todo para mostrar, inclusive para o setor produtivo brasileiro, que isso só depende deles, de se organizarem, fazerem os investimentos necessários e que essas variedades vão se consolidar no mercado. Quando a gente faz testes diretamente com o consumidor, eles sempre falam que gostariam de adquirir essas maçãs. Mesmo assim, essas variedades não se consolidam porque o intermediário que está entre o produtor e o consumidor é que está na zona de conforto — finaliza.
*Sob supervisão de Luana Amorim
Fonte: NSC Total