Executiva da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil explica que o país tem enorme potencial à frente se investir na diversificação dos produtos a serem exportados. E vê com preocupação barreiras impostas pela União Europeia
O Brasil é um gigante na produção mundial de alimentos, mas ainda não se deu conta da sua grandeza. Tem condições de crescer muito mais, segundo a diretora de relações internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Sueme Mori. Em entrevista à jornalista Denise Rothenburg no CB Agro, parceria entre o Correio e a TV Brasília, ela afirma que é necessário criar condições para o país ampliar e diversificar a pauta de exportações, ainda concentrada em pesos-pesados como soja e café. Mori detalhou, ainda, a negociação empenhada com a União Europeia, que pretende ser mais rigorosa com produtos importados brasileiros, sob alegação de impedir o desmatamento. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
O que mais o Brasil pode exportar além dos produtos tradicionais?
A gente pode exportar de tudo. Sempre digo que a nossa pauta exportadora, infelizmente, não reflete a diversidade da produção brasileira. A gente tem uma pauta muito concentrada em alguns produtos, dos quais somos líderes de produção e líderes de exportação mundial. Mas a gente tem muitas oportunidades.
Por que diz isso?
A gente tem um potencial imenso. O Brasil é muito agraciado, do ponto de vista de abastecimento de alimentos. Essa não é uma realidade de muitos países. Quando você vai, por exemplo, para o Oriente Médio, Ásia, determinados países da África, eles sofrem muito com a questão da dependência da importação de alimentos, que não é a nossa realidade. Então nesses países se compra de absolutamente tudo. Tem países que têm uma dependência acima de 80% da importação de alimentos para garantir o seu abastecimento interno. Então, espaço há para todos os produtos que o Brasil produz.
Quais são esses produtos que podem entrar na pauta de exportação?
Nosso esforço, na CNA, é inserir neste mercado internacional pequenos e médios produtores rurais de cadeias que não são tradicionais na nossa pauta exportadora. Por exemplo: mel, frutas. Nós somos o terceiro maior produtor de frutas do mundo. Mas a nossa exportação é muito baixa.
Por quê?
Tem várias questões. Um dos pontos é a questão da preparação da cadeia para exportação. Eu falo que o Brasil sofre de um mal que é um bem — tem um mercado interno gigantesco. Como a gente tem um mercado de mais de 200 milhões de habitantes, a produção nacional acaba muito concentrada. Países menores, por exemplo, exportam por necessidade. As empresas exportam por necessidade, porque elas não têm um mercado interno tão grande quanto nós temos aqui. Então tem uma questão de estrutura de cadeia, de preparação para o comércio exterior. A gente sabe que demora de 3 a 4 anos quando uma empresa decide começar a exportar. Ou seja, requer um investimento, uma estratégia específica.
Há outros pontos a considerar?
Tem também a questão da abertura de mercados. Eu falo sempre que é um esforço. Não adianta simplesmente abrir o mercado. É um trabalho que o governo brasileiro vem fazendo, com o Ministério da Agricultura e o Ministério das Relações exteriores. Mas não adianta abrir mercado se não tiver empresa para exportar. O fato de a gente produzir muito não significa, necessariamente, que todos estão preparados para exportar.
O que está sendo feito para preencher essa lacuna?
A gente desenvolve, com a Apex-Brasil, o projeto Agrobr. É um projeto pelo qual a gente apoia os pequenos e médios produtores dessas cadeias. A gente está falando de pescado, de mel de frutas, cacau e chocolate, cafés especiais. São produtos muito representativos do Brasil, importantes para a economia nacional, mas têm muita baixa participação na nossa pauta exportadora.
Como valorizá-los?
A gente faz um trabalho, nos estados, que começa com a identificação de produtores com potencial para exportação. Cuidamos em seguida todo o processo de capacitação, de preparação, desenho de plano de internacionalização até chegar no que a gente chama de promoção comercial, que é o que aparece na verdade. Trata-se das feiras, das missões internacionais, que são rodada de negócios. Nessa etapa, a gente coloca esse produtor na frente de um potencial importador. Então precisa ser um trabalho de mão dupla — é preciso tanto ampliar mercados quanto preparar aqui, internamente, para a gente ter maior número de empresas e produtores nesse esforço exportador.
Quais países têm interesse em adquirir produtos brasileiros?
O Brasil vende para o mundo inteiro. Passa de 150 o número de países para onde a gente envia produtos. A gente fica nos principais, e todo ano a gente tem um país que surpreende. No ano passado, foi a Índia. A Índia aumentou muito as exportações brasileiras de produtos agropecuários. O Sudeste asiático vem comprando bastante da gente, então a gente está falando de Vietnã, Tailândia, países que vêm aumentando suas compras brasileiras. Nós somos a terceira maior exportadora de alimentos do mundo. A gente exporta de tudo para o mundo inteiro. O que acontece é que a gente exporta muito para poucos países e poucos produtos, que estão muito concentrados.
A União Europeia veio com o green deal, isso vai impactar muito as exportações brasileiras para a União Europeia. Como está essa relação?
O pacto verde é uma política para descarbonização do bloco europeu. O green deal tem várias políticas, chamadas diretivas. Então tem uma política para energia, uma para mobilidade, para edificações, etc. E tem uma para agricultura. Dentro desse pacto verde do green deal, há uma medida que a gente está chamando de legislação antidesmatamento. Essa medida coloca requisitos para a circulação de determinadas mercadorias, produtos agrícolas.
Por que a medida é ruim para o Brasil?
A legislação não faz distinção entre desmatamento legal e ilegal. Ela diz que será proibida a entrada de produtos dessa cadeia que vierem de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020. A CNA tem preocupação com o desvio de comércio, porque o nosso agro é muito competitivo. Quando você faz uma distinção com determinados critérios que atingem especificamente países com a característica do Brasil, que estão em desenvolvimento, com área florestal grande e estão avançando na sua produção agropecuária, com certeza nos preocupa.
O que vai ser feito para convencer aos europeus?
Nós temos dialogado bastante com os europeus. No mês passado, o vice-presidente da Comissão Europeia esteve aqui no Brasil. Conversou com representantes do agro brasileiro. A discussão foi sobre essa legislação. Nós, da CNA, levamos a nossa preocupação. A gente continua um diálogo com os europeus, diálogo técnico e bilateral. O governo também tem feito gestões diretamente, tanto a equipe do Brasil quanto a equipe de Bruxelas.
Esse diálogo pode surtir algum efeito prático?
A legislação coloca uma data para entregar em vigor essa medida. Nós teremos até o final de 2024 para negociar as bases reais de como essa legislação vai impactar do ponto de vista do agro brasileiro. A discussão tem que ser cadeia a cadeia.
Quais são as mais urgentes?
Todas são urgentes.
Fonte: Correio Brasiliense