Patenteado pelo INPI, pode ser usado pelo setor produtivo na fabricação de kits de diagnóstico
Intitulada “Oligonucleotídeos, uso, método e composição de reação e kit para detecção dos vírus associados à causa da murcha do abacaxizeiro”, a patente foi publicada na edição de setembro de 2021 da Revista de Propriedade Industrial. Como toda patente de invenção concedida, existe o prazo de vigência de 20 anos contados da data de depósito – como é chamado o início do processamento de patenteamento –, ocorrido em 26 de dezembro de 2012.
Os oligonucleotídeos, também chamados de primers, são cadeias curtas de moléculas de DNA ou RNA comumente usados na biologia molecular e na medicina para rastrear doenças e infecções virais e como iniciadores em sequenciamento de DNA.
“A ideia foi desenvolver um teste que detectasse os três vírus da murcha ao mesmo tempo sem, no entanto, discriminar um por um. A intenção é saber quem tem o vírus e quem não tem. Quando se faz a indexação não importa qual vírus esteja presente; o que importa é se a planta está sadia ou infectada”, explica Eduardo Chumbinho de Andrade, pesquisador do Laboratório de Virologia Vegetal da Embrapa Mandioca e Fruticultura, responsável pelo invento e registro da patente.
“A murcha do abacaxizeiro é uma doença causada por vírus e transmitida por um inseto. Além de fundamentais para trabalhos de pesquisa, kits de detecção são muito importantes para garantir a sanidade do material de plantio. A obtenção da patente reforça o caráter inovador das pesquisas realizadas pela Embrapa Mandioca e Fruticultura”, afirma o pesquisador Francisco Ferraz Laranjeira Barbosa, chefe-adjunto de Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação da Embrapa Mandioca e Fruticultura.
Método reduz em 1/3 o valor do teste e tempo de trabalho
A indexação é o processo que demonstra a presença ou não de uma virose em uma planta e é realizada em laboratório antes de o material ser multiplicado, garantido a sanidade das mudas. Na Embrapa Mandioca e Fruticultura, a detecção da presença do DNA/RNA viral é feita pela técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real (RT-qPCR), a mesma utilizada no chamado “teste ouro” para detecção do novo coronavírus e de tantas outras doenças causadas por vírus em humanos.
Segundo Andrade, a murcha é causada pelo complexo viral denominado Pineapple Mealybug Wilt-Associated Virus (PMWaV), transmitido pela cochonilha Dysmicoccus brevipes. O complexo é formado por três espécies diferentes de vírus, mas que compartilham regiões do genoma que são muito parecidas. “A posição dos genes e até mesmo a sequência de alguns deles também são parecidas. Então, buscamos todas as sequências disponíveis até aquele momento e fizemos um alinhamento entre elas, colocando uma sequência embaixo da outra e buscamos regiões mais conservadas entre elas, ou seja trechos do genoma em que as sequências fossem idênticas, ou com alguma variação pontual”, detalha.
No estudo dessas sequências, foram identificadas duas regiões com alta identidade entre elas. Nelas, o pesquisador desenhou os oligonucleotídeos chamados de degenerados. “Parte da sequência do degenerado é igual para todos os vírus e parte é variável. Então, consegue-se detectar os três vírus na amostra, o que reduz para 1/3 o valor do teste e o tempo de trabalho. Ou seja, no lugar de fazer três reações [testes] e usar três microtubos, entre outros componentes, pode-se fazer o processo somente uma vez. Se o resultado for positivo, já se sabe que aquela planta está infectada e, em muitos casos, essa informação é suficiente”, afirma Andrade. “Com esse kit, a economia de material, recursos financeiros e tempo num processo de indexação em larga escala é excelente”, ressalta.
Segundo o pesquisador, as enzimas e os reagentes do kit já estão disponíveis no mercado. “O que varia exatamente é esse iniciador. Ele é o diferencial da reação, que dá a especificidade e que vai indicar o que vai ser detectado. Se trocar o iniciador detecta-se outra coisa. Ele só vai se ligar na sequência que for idêntica ou complementar a ela, garantindo a detecção exclusiva de vírus do abacaxi”, pontua.
Banco genético é a base de estudos moleculares
Na verdade, o invento começou a surgir para o pesquisador quando foi necessário indexar o abacaxi BRS Ajubá – variedade que seria lançada em 2009 – para enviar matrizes limpas e sadias para a biofábrica que havia vencido a licitação à época. “Tive que indexar um número grande de plantas e fazer um teste para cada um dos três vírus da murcha. Como eu já trabalhava com vírus de outras culturas, como mosaico das nervuras, begomovírus e fitoplasma da mandioca, e dominava a abordagem dos primers degenerados, pensei que poderia fazer o mesmo na cultura do abacaxi. Felizmente encontramos regiões conservadas e conseguimos obter dois pares de primers”, recorda.
Apesar de não ter sido usada na indexação do BRS Ajubá, que já estava em andamento, a técnica que gerou a patente foi utilizada posteriormente para indexar boa parte do Banco Ativo de Germoplasma (BAG) de Abacaxi da Embrapa, que é onde se iniciam as pesquisas de novas variedades e produtos, como fibras vegetais e biomoléculas para a indústria farmacêutica. A inovação também foi aplicada em paralelo à nova metodologia de crioterapia desenvolvida pela Embrapa Mandioca e Fruticultura como alternativa importante de limpeza clonal de vírus para abacaxizeiros.
A concessão da patente coincidiu, inclusive, com a premiação, em outubro, pela Associação Brasileira de Cultura de Tecidos de Plantas (ABCTP), de trabalho sobre a crioterapia escrito pelos pesquisadores da Embrapa Mandioca e Fruticultura Fernanda Vidigal Duarte Souza e Eduardo Chumbinho de Andrade, pelo professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) Everton Hilo de Souza, e pelos bolsistas da UFRB Patrícia Araújo Guerra, Daniela de Andrade Silva Max e Rafaelle Souza de Oliveira.
Objetivo a longo prazo é beneficiar toda a cadeia produtiva de abacaxi
A princípio, o público-alvo do invento é formado por empresas que vendem kits de detecção de patógenos, mas é esperado que, com o tempo, toda a cadeia produtiva do abacaxi possa se beneficiar.
Atualmente, a maioria dos agricultores brasileiros utiliza mudas de campo, mais baratas e acessíveis – muitas vezes produzidas na própria área ou de outros produtores – e sem nenhuma garantia de qualidade fitossanitária, enquanto o ideal é o plantio de mudas produzidas a partir de matrizes sadias ou de mudas obtidas em biofábricas por técnicas de micropropagação. “Infelizmente, ainda não existe uma demanda grande por material de qualidade, por muda micropropagada, mas, quando o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) realmente estabelecer normas para a produção de mudas-matrizes, essa é uma demanda que vai aumentar bastante e, consequentemente, o interesse pela patente também”, acredita Andrade.
Fonte: Agrolink