Produtores questionam legislação estadual e dizem que suspensão da aplicação por aviões levou a aumento do uso de agrotóxicos
Produtores de banana do Ceará aguardam com ansiedade o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) sobre uma lei em vigor desde janeiro de 2019 no Estado que proíbe a pulverização aérea de lavouras. A ação foi protocolada em maio de 2019 pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), alegando que a lei estadual viola artigos da Constituição Federal que protegem a liberdade econômica, a liberdade de iniciativa e a atividade agrária. A Adin aguarda parecer da ministra Cármen Lúcia.
Fabio Regis, um dos maiores produtores da fruta no Nordeste, afirma que se tornou inviável produzir banana no Ceará e que já estuda levar seu investimento para Bahia e Maranhão, onde mantém cultivos menores. Pioneiro da bananicultura no Cariri, região sul do Ceará, o agricultor cultiva 500 hectares e diz que, desde que a lei foi aprovada, sua produção caiu 30%, de 18 mil toneladas para 12 mil.
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“A banana depende da pulverização aérea. O único método para controlar a sigatoka-amarela é aplicar os produtos por cima da folha. Sem a pulverização aérea, o controle é ruim e muito mais caro.” A sigatoka-amarela, uma das mais importantes doenças da bananeira, é causada pelo fungo Mycosphaerella musicola. Reduz, em média, 50% a produção da lavoura e só não é mais nociva que a sigatoka-negra.
Regis conta que, até 2018, fazia duas aplicações aéreas anuais no seu bananal, usando 20 litros de calda por hectare. Agora, precisa fazer cinco aplicações manuais de 300 litros. “A pulverização costal é ineficiente, usa muito mais defensivos, traz mais riscos e expõe 30 ou 40 trabalhadores, enquanto na aérea se usava apenas o piloto do avião.” A empresa de Regis, que produz e distribui bananas no Norte e Nordeste brasileiro, emprega cerca de 1.600 pessoas. “A proibição é uma questão ideológica e não técnica. Espero que o STF tenha bom senso e racionalidade para reverter essa lei que só existe no Ceará.”
Exportação
O paulista Edson Brok, que produz bananas no Ceará há 21 anos e atualmente é o maior exportador da fruta brasileira para o mercado europeu, com 12 mil toneladas por ano, diz que teve que aumentar os custos para manter a produtividade e que muitos produtores pequenos, especialmente da região do Cariri, não tiveram como salvar suas lavouras. “Sem a pulverização aérea, que é padrão em todos os países que produzem banana, se perde o controle de qualidade do bananal. A fruta amadurece mais rápido e sem controle.”
Com 300 hectares de cultivo na região da Chapada do Apodi, no leste do Estado, Brock diz que usava 25 litros de calda por hectare e agora, na pulverização manual, o volume passou para 250 litros por hectare. Além disso, a operação manual demanda de 12 a 15 pessoas aplicando o produto por vários dias, enquanto o avião fazia a pulverização em quatro horas. No seu caso, como a produção é para exportação e tem que atender várias exigências de certificação, é fundamental controlar bem de perto a sigatoka. Ele explica que a pulverização é necessária apenas quando chove porque o fungo ataca quando há umidade no ar.
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“Essa lei foi quase uma pá de cal nos nossos negócios. Um verdadeiro tiro no pé porque agora está poluindo muito mais e expondo o trabalhador a mais riscos. E na região do Cariri foi ainda pior, está tirando muito agricultor pequeno do negócio.” Brok diz que, além da pressão sobre o governo do Estado, eles chegaram a fazer uma live com a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, para pedir apoio à derrubada da lei.
Luiz Roberto Barcelos, diretor institucional da Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas) e presidente da Comissão Nacional de Fruticultura da CNA, afirma que a Abrafrutas já fez reunião com o governador Camilo Santana (PT) para tentar sensibilizá-lo sobre as perdas dos produtores com a proibição.
“O governo pode fazer a regularização mais rígida, mas não pode proibir. Essa lei trouxe muito prejuízo no ano passado no Ceará porque choveu muito e a sigatoka ficou sem controle. Alguns produtores, inclusive, estão mudando de Estado porque ficou muito difícil plantar banana no Ceará.”
Prejuízo à saúde
A Globo Rural fez vários questionamentos ao governo do Ceará sobre a motivação da lei, se os impactos na bananicultura do Estado foram avaliados e se há possibilidade de revogação da lei. Por meio de sua assessoria, a Casa Civil informou apenas que o governo aguarda o julgamento da Adin no STF. “Enquanto isso, mantém diálogo permanente com os setores produtivos envolvidos.”
Em defesa enviada ao STF, a Procuradoria Geral do Estado do Ceará alega que há vários estudos apontando os prejuízos à saúde e ao meio ambiente da aplicação indiscriminada de agrotóxicos e que se multiplicam os estudos que “categoricamente demonstram o assomado risco quando os herbicidas são dispersados por aeronaves.”
Em um artigo, o deputado Roseno (PSOL), autor da lei que ganhou o apelido de Lei Zé Maria do Tomé – nome de um militante assassinado que se destacou na luta contra a pulverização aérea de agrotóxicos na Chapada do Apodi – justificou seu projeto dizendo que inúmeros estudos nas áreas de saúde coletiva e pesquisa agropecuária alertam para a trágica relação entre agrotóxicos, contaminação ambiental e doenças, em particular o câncer.
Segundo ele, “a proibição da pulverização aérea de agrotóxicos não prejudicou –e nem prejudicará– a produtividade agrícola do Ceará, que fechou 2019 com aumento da produção de 42 itens, incluindo crescimento de 4,55% na fruticultura”.
Nesta quinta (8/4), em uma de suas redes sociais, o deputado disse que a “lei foi construída em coletivo com movimentos e entidades sociais em defesa da vida, do meio ambiente e da agroecologia, sendo pioneira no Brasil e inspirando outros estados a seguirem a mesma linha de proibição do despejo de agrotóxicos com uso de aviões”.
Na defesa da manutenção da lei, a Assembleia Legislativa do Ceará diz que, “na União Europeia, desde 2009, se encontra vedada a pulverização de agrotóxicos por meio aéreo, por uma razão objetiva simples: o grave impacto a comunidades, aquíferos e à natureza”.
Sem critérios
Para o engenheiro agrônomo Ulisses Antuniassi, professor do Departamento de Engenharia Rural da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a proibição não está embasada em critérios e não considera a possibilidade de se realizar as aplicações aéreas dentro de critérios de boas práticas, que incluem condições meteorológicas adequadas, uso de técnicas para reduzir deriva e gestão de informação.
“Considerando a dependência de algumas culturas (como é o caso da banana) de aspectos técnicos, operacionais e econômicos com relação às aplicações aéreas, a proibição é um castigo para os produtores, já que, do ponto de vista fitossanitário, a necessidade de controle de doenças no bananal é inquestionável e não há como produzir sem controlar a doença.”
Antuniassi ressalta ainda que as aplicações terrestres na bananeira, por conta do porte da cultura, são feitas de baixo para cima, utilizando máquinas pouco eficientes, gerando muito mais riscos do que aplicações aéreas feitas dentro dos critérios de boas práticas.
Fonte: Globo Rural