Conquista de novos mercados e “moda” internacional faz produto típico da Amazônia explodir mundo afora. Produção tem aumentado, mas ritmo da oferta é menor do que a procura e entressafra potencializa escassez
Nos últimos anos, o açaí tornou-se conhecido mundialmente por suas propriedades energéticas, sendo um “embaixador da Amazônia”, reconhecido como um produto típico da região. Estão em andamento pesquisas que estudam os benefícios do seu consumo, assim como a versatilidade de sua aplicação, inclusive na indústria de fármacos e cosméticos. A alta procura internacional pelo produto ocorre ao mesmo tempo em que o consumo tradicional pelos moradores da Amazônia também só aumenta.
A descoberta global do produto na última década é refletida nos números, que comprovam o interesse internacional. Sozinho, o Estado do Pará representa mais de 94% das exportações de açaí do Brasil para o mundo. Nos últimos dez anos, o crescimento da exportação do produto paraense teve um salto vertiginoso: cresceu mais de 14.380% (quase 15 mil por cento). Passou de 41 toneladas exportadas em 2011 para o recorde de 5.937 toneladas em 2020. Em apenas um ano, entre 2019 e 2020, o crescimento foi de 51%. Em 2018, a exportação rompeu, pela primeira vez, a casa das 2 mil toneladas. Em 2019, foram 3,9 mil. E, em 2020, um novo salto.
O “problema” é que, além de maior produtor e exportador do fruto, o Pará é também o maior consumidor local do fruto no Brasil. O açaí é item indispensável da mesa do paraense no dia a dia, sendo consumido como acompanhamento da refeição ou sobremesa. Para quem não conhece, pode até parecer estranho comer peixe ou carne salgada, o “charque” com açaí, mas isso no Pará é tão natural quanto tomar um copo de água.
Esta semana, os profissionais que fazem o processamento do açaí para venda em pequenas quantidades, chamados de “batedores de açaí”, fizeram um protesto criticando a escassez e o alto preço do produto no mercado local. A entressafra, período em que a safra diminui por condições naturais, está mais rigorosa este ano. Mesmo com o aumento da produção, a alta procura para o mercado externo também teria impactado e potencializado a atual “crise do açaí”.
Segundo o coordenador da cadeia do açaí da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), Geraldo Tavares, o Pará observou crescimento na produção que abastece o mercado interno e externo. O Estado passou de 756,4 mil toneladas de açaí em 2010 para 1,3 milhão em 2019. Já a área plantada passou de 77,6 mil hectares para 188 mil hectares.
“É uma linha ascendente, por mais que tenhamos percalços no caminho”, afirma o agrônomo, referindo-se ao período de entressafra. Hoje, o Pará isolado na produção no país, com 94%, enquanto que o segundo o estado do Amazonas, registrou 67,7 mil toneladas em 2019.
Segundo o presidente do Sindicato das Indústrias de Frutas e Derivados do Estado do Pará (Sindfrutas), Reinaldo Mesquita, a entressafra prejudica o abastecimento interno de açaí, mas não impacta na exportação por conta do estoque congelado, feito pelas indústrias exportadoras. Para ele, a entressafra – e não a alta procura entre mercado interno e externo – que pode prejudicar o abastecimento do produto.
“Vivemos a safra, de agosto a início de dezembro, com o período chuvoso. Quando começa a entressafra, iniciam alguns problemas de abastecimento. A exportação não fica sem açaí porque as indústrias têm câmaras gigantes, por exemplo. Na entressafra, a produção fica parada, mas a venda via exportação continua, pois tem estoque em câmaras.
Por esse motivo, as indústrias produzem em quatro meses o que será vendido ao longo do ano. Por isso, no mercado regional, é muito mais caro e tem falta do produto, porque a produção mesmo diminui”, aponta.
Consumo de açaí ajuda a manter floresta em pé
De acordo com Reinaldo Mesquita, do Sindfrutas, o aumento de mercado para o açaí acabou também por abrir novas perspectivas aos ribeirinhos, que estão na base da cadeia. Segundo ele, há cerca de quinze anos o produtor local muitas vezes optava por cortar a árvore de açaí para extrair o palmito, com valor de mercado na época maior – e com menos esforço – que a colheita e venda do açaí.
“O ribeirinho vinha para a cidade e percebia que o esforço e retorno com a venda do palmito era mais rentável. Preferiam então cortar a árvore e isso é também uma forma de desmatamento. Hoje, no entanto, é mais rentável ter a árvore em pé e colher e vender o fruto. Atualmente, é possível observar as ilhas na nossa região com árvores de açaí e o ribeirinho melhorou sua estrutura, não deixa mais a sua casa, a sua ilha. A vida das comunidades ribeirinhas melhorou, e isso tudo foi pelo crescimento do mercado de açaí, tanto interno, quanto externo”, avalia Reinaldo.
A coordenadora do Centro Internacional de Negócios (CIN), da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), Cassandra Lobato, destaca a importância do desenvolvimento da cadeia como um todo para o Estado, iniciada com a exportação apenas com o suco da fruta. “O processo de agregar valor ao produto é algo que sempre temos como alvo. Para abrir mercado iniciamos enviando somente o insumo do açaí. Mas, com o passar dos anos, o Pará deixa de ser exportador de commodities e, agora, com o purê também sendo exportado, não levamos mais somente o suco para ser beneficiado fora, mandamos o produto pronto para consumir”, afirmou.
Cassandra afirma que o objetivo de completar essa cadeia tem um efeito dominó também no desenvolvimento econômico local, mas que para isso é necessário um esforço em qualificar a mão de obra. “Para nós é maravilhoso, significa completar essa cadeia. E uma empresa que vá trabalhar com a embalagem, por exemplo, não só agrega valor ao produto lá fora, mas traz um desenvolvimento para a indústria de maneira completa, porque, com o produto final, movimenta a economia aqui, contratamos mais profissionais de marketing, gerentes de exportação”, analisa.
Iniciativas buscam reduzir problema de entressafra
De acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, o maior entrave para a exportação e o abastecimento do mercado interno de açaí é a entressafra. A questão é econômica e envolve diversos segmentos da cadeia produtiva, gera emprego e renda aos cofres do Estado.
“Em 2019, foi lançada uma nova área de cultivo, para cultivar o açaí com alta produtividade e precocidade, encurtando o tempo de colheita. O Estado financiou essa pesquisa para os próximos seis anos. É um investimento a longo prazo”, reforça Geraldo.
Outra iniciativa é o plantio de sementes selecionadas, utilizando a tecnologia de irrigação. “Essa será a solução a médio e longo prazo entre a demanda e a oferta do açaí, para conseguir abastecer o nosso mercado com mais tranquilidade. Assim vamos conseguir produzir na entressafra. Com esse projeto concluído, poderemos beneficiar muito mais produtores”, comenta.
O agrônomo explica ainda que a produção de açaí inicia somente após quatro anos do plantio, o que é outro empecilho. “O resultado é o incremento do açaí produzido em terra firme com irrigação, aumentando a atual produção mais concentrada em região de ilhas. A condição da alta oferta de água é crucial, sem a água, não tem como ter açaí o ano todo. Então precisa irrigar no período de verão, com menos chuva, para garantir a produção”, conclui Geraldo.
Outra ação de governo para o setor é o Programa Estadual de Equidade do Açaí, também voltada para diversas etapas da cadeia produtiva, mas com foco maior na qualidade final do produto oferecido, inclusive para garantir condições de higiene no manuseio para evitar proliferação de doenças e oferta de crédito para qualificação e melhorias dos pequenos vendedores do produto no mercado interno, conhecidos como “batedores de açaí”, em alusão à prática de bater o fruto em maquinário específico para se obter a polpa do açaí.
Sobre as linhas de crédito, a Sedap destaca o financiamento de equipamentos para processamento de açaí. “Para ele tem uma linha disponível de crédito a juros muito baixo. O batedor pode procurar e se candidatar. Mas o governo também está estudando a implantação futura de uma linha de crédito para irrigação de açaí no estado, para ampliar a produção”, antecipou Geraldo.
Para Cassandra, da Fiepa, as iniciativas são grandes impulsionadoras da abertura das fronteiras do Estado para indústrias não só do Brasil, mas de outros países. “Esses investimentos desencadeiam todo o desenvolvimento econômico da nossa região. A gente começa a atrair as indústrias por conta deque aqui temos toda a cadeia a uma posição logística diferenciada para a exportação. Então, para todos é melhor que a agregação de valor seja feita aqui mesmo, completando toda a cadeia produtiva”, reforça Cassandra.
No mercado local, produto teve alta de quase 30% apenas em 2021
A alta procura tem inflacionado o preço do açaí na capital Belém, onde é consumido e vendido por litro. De acordo com o Departamento Intersindical de. Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), apenas nos primeiros quatro meses deste ano, o valor médio do produto subiu cerca de 27%, enquanto a inflação registrada no período foi de 2,3%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O valor médio flutuou entre R$ 22 e R$ 32 para o consumidor final em abril de 2021.
Para o supervisor do Dieese, Roberto Sena, o atual momento vai exigir um olhar mais atento quanto às políticas públicas para o setor. “Não somos contra a exportação, mas sim a falta de regulamentação dela. Hoje, são elas que ditam o preço da matéria-prima no mercado, resultando nessa especulação do preço que não cabe no bolso do médio batedor. O problema é a exportação desenfreada, porque grandes empresas compram metade da produção”, avalia o economista.
“Esta situação não se justifica, principalmente em função do volume de produção do produto no Estado. O Pará continua sendo o maior produtor de açaí do país e infelizmente uma parte considerável desta produção é exportada e o que fica por aqui, fica muito caro, penalizando principalmente a população de menor renda”, complementou.
A variação no preço é sazonal, mas pode ser solucionada através de diálogo e regulamentação. É o que defende o produtor de açaí Milton Santos, conhecido como “Bahia”, que trabalha há mais de vinte anos com o cultivo do fruto na Ilha do Maracujá, comunidade próxima de Belém. Diariamente, ele atravessa de barco o rio Guamá com direção aos portos da capital para vender açaí. “Eu sei que pagar R$ 16 num litro, é pesado. Mas infelizmente é a lei da oferta e da procura”, argumenta, citando o valor que é vendido, em média, para profissionais que vão processar o fruto para extrair a polpa e revender ao consumidor final da capital paraense.
O produtor afirma que o diálogo é o caminho. “O que nós podemos fazer como produtores para ajudar os batedores? E o que os batedores podem fazer pelos produtores?Porque quando o preço tá caro, tá ruim pra eles, mas tá bom pra gente. Quando tá barato, é bom pra eles, mas ruim pra gente. Então as duas partes poderiam conversar. Porque se é bom pra mim e bom pra eles, é bom pra todo mundo. E com isso, quem ganha é o consumidor final, o grande beneficiado”, afirma.
Além da entressafra e exportação, o produtor destaca ainda que vem observando queda na produção na área de sua propriedade. Segundo ele, mesmo no pior período do ano, ele conseguia produzir por dia o que hoje, é produzido em uma semana. “Já tem três anos que observo a diminuição da minha produção. Mudanças climáticas, chuva, sol e desmatamento. Isso afeta nós que trabalhamos com açaí nativo, sem uso de adubo. Tenho percebido a diminuição de cachos do açaí. Anos atrás, nesse mesmo período, eu tirava 12 sacas por dia, quantidade que tiro em uma semana neste ano”, contou o produtor.
Para ele, a produção de outros municípios do interior do Estado também caiu, pois estão atendendo mais a demanda da exportação do que anos anteriores. “Os municípios mais distantes, que antes abasteciam a capital paraense, não estão mais abastecendo porque as fábricas de processamento e que exportam estão comprando. Então só o açaí da região das ilhas próximas a Belém não supre o mercado local”, comentou.
Trabalhador no porto da Palha, no bairro da Condor, Carlos Santos, mais conhecido como “Bacu”, concordou que a oferta dos caroços vindos das ilhas mais próximas de Belém caiu este ano como nunca. Ele trabalha há mais de 10 anos como marreteiro, nome popular da profissão de quem revende o açaí do atravessador ao batedor de açaí ou para as fábricas. “Tá caro o açaí. Tá em falta. O gelado falhou e do natural, não tem muito. Todo ano tem esse problema, mas esse ano está maior”, afirma Carlos, citando o “gelado”, nome da polpa que vem de outros Estados vizinhos, como o Amapá.
O produtor Rubens Almeida, que trabalha com açaí de Barcarena, município próximo de Belém, cita uma possível “crise” do açaí, com a alta demanda para os mercados internos e externo. “Essa crise já vem de uns anos pra cá devido o nosso produto, quando chega na capital, ser disputado pelos compradores, além de estarmos num período de menor produção mesmo, pela entressafra”, afirma.
O engenheiro agrônomo da Embrapa, João Tomé de Farias Neto, explicou que as mudanças climáticas, entre outros fatores, podem ter diminuído a produtividade dos açaizeiros destes produtores. Segundo ele, as alterações tem influência do clima, do desmatamento, a necessidade de maior cuidado com o solo e manejo do fruto, que podem impactar na produtividade.
Para ele, não adianta ver a exportação como vilã e sim investir em novas técnicas de cultivo. “A exportação não desabastece o mercado local, pois as indústrias compram apenas na safra, quando o preço está baixo, para processar e comercializar na entressafra. Ou seja, o que elas exportam agora, foi comprado meses atrás. O que acabaria com esse problema, seria o investimento em cultivo em terra firme. Aumentar ainda mais essa produtividade no estado, por conta da demanda crescente, solucionaria a crise”, explicou.
Fonte: Liberal Amazon